quinta-feira, 2 de junho de 2011

ÍNDIOS E ICONOGRAFIA DIDÁTICA: ANÁLISE DAS REPRESENTAÇÕES EM MANUAIS DE HISTÓRIA DO PNLD 2011

(por Diogo Monteiro)

O texto que segue apresenta as propostas de um projeto de pesquisa, que estuda as formas de representação dos índios, a partir das imagens inseridas nos livros didáticos aprovados pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), edição 2011. O objetivo central é analisar as formas de representação elaboradas pelos autores de manuais escolares de história acerca da cultura e modos de vida indígenas. Pretende-se, ainda, perceber como consumidores de livros escolares, professores e alunos de escolas públicas estaduais da cidade de Aracaju, apropriam-se dessas imagens e constroem suas impressões sobre os índios.
Ao inserir nossas reflexões no interior dos debates acerca das implicações político-pedagógicas geradas pela instituição da Lei 11.645/08, que estabelece a obrigatoriedade da inclusão de conteúdos de História e Cultura indígenas no currículo de escolas do ensino básico, públicas e particulares do Brasil, levantamos os seguintes questionamentos: em que medida os conteúdos das imagens e dos textos dos livros didáticos, avaliados e distribuídos pelo PNLD 2011, refletem as disposições da Lei 11.645/08? Os autores de livros didáticos, a partir de uma visão relativizadora, atendem aos imperativos de respeito à diversidade cultural indígena e valorização das suas contribuições à formação da sociedade brasileira? Ou perpetuam a visão eurocêntrica sobre seus costumes e modos de vida? E, no âmbito das práticas de ensino-aprendizagem escolar da história, como professores e alunos têm reagido à introdução destas inovações legislativas nos livros didáticos que consomem? De que maneira estes manuais têm influenciado na construção de suas representações sobre a alteridade indígena?
Será relevante para o desenvolvimento da investigação o diálogo com o conceito de livro didático difundido pelo professor Kazumi Munakata, que afirmou: “O livro didático é um artefato de papel e tinta, costumeiramente utilizado em situações didáticas.” (MUNAKATA, 1997, p. 84). Ele, porém alerta: “não são meramente ideias, sentimentos, imagens, sensações ou significações que o texto possa representar. Nem tampouco é o texto em abstrato, pois esse texto de que as pessoas normalmente veem apenas ideias, sentimentos, imagens, etc., é constituído de letras (confeccionadas com tinta sobre o papel) segundo uma família de tipo (ou face de tipo ou fonte), que lhes dá homogeneidade. ”(id.,).
Já a imagem, elemento de imprescindível importância na constituição da materialidade dos impressos, será aqui entendida não como o “real”, mas pelo menos, como o seu “analogon” perfeito. Impregnada desta perfeição analógica da realidade, a imagem comporta duas mensagens: uma mensagem denotada, o próprio “analogon”, e uma mensagem conotada, a maneira pela qual a sociedade oferece à leitura, dentro de certa medida, o que ele pensa (BARTHES, 1990, p. 12-13).
Desta forma, entendemos representação, a partir de Foucault (1970 apud BURKE, 2004, p. 219), como uma imagem cuja produção e significado não se restringem à reprodução da realidade em si mesma, e que estão intimamente vinculadas às normatizações da sociedade. Em síntese, ela seria “uma imagem verbal ou pictórica de algum objeto, feita de acordo com um determinado conjunto de convenções”, que interessavam mais do que a maior ou menor fidelidade com a qual o objeto foi descrito ou pintado.
Esta pesquisa terá como fontes fundamentais para a extração de dados, alguns dos manuais listados no Guia do Livro Didático do PNLD 2011, selecionados pelos professores e gestores de escolas de Ensino Fundamental da rede pública estadual da cidade de Aracaju.
A triagem das obras a serem analisadas nesta investigação, seguiu o critério dos títulos do 7º ano mais adotados durante o processo de avaliação e escolha dos livros didáticos pelos professores e gestores de escolas públicas estaduais da cidade de Aracaju, a partir do Guia do Livro Didático do PNLD 2011.
Optamos por analisar os volumes dos livros didáticos do 7º ano do Ensino Fundamental, por neles estarem, geralmente, contemplados de maneira mais recorrente, os conteúdos de cultura e história indígena, quando trata, mais especificamente, do período colonial da história do Brasil e da América.
Efetivada a seleção das obras didáticas, realizaremos a classificação dos tipos de imagens inseridas em suas laudas (desenhos, gráficos, pinturas, xilogravuras, litogravuras, fotografias, reproduções, entre outros), pelo fundamento dos níveis de iconicidade, em que cada imagem possui um potencial expressivo e certa carga informacional.
As representações acerca dos povos indígenas, elaboradas pelos autores de livros didáticos alvos da investigação, serão percebidas através de uma análise conjunta dos conteúdos das imagens, legendas e textos nucleares.
Após a conclusão desta fase, cruzaremos as informações extraídas da descrição e da análise das imagens e dos textos para percebermos o nível de conexão entre as visões sobre os índios presentes simultaneamente nos textos visuais e verbais, que conformarão o universo dos significados tecidos pelos autores dos livros didáticos.
Coletaremos amostragens entre professores e alunos da área urbana de Aracaju. A comunidade escolar que habita esta região, distanciada territorialmente de comunidades indígenas, constitui um público privilegiado para a captação de impressões específicas e originais sobre os índios, que são construídas, primordialmente, a partir de leituras e interpretações das imagens e textos dos livros didáticos de história, seus principais meios de contato com estes povos e seus modos de vida.
Serão gravadas e filmadas entrevistas com 4 professores e 8 alunos do 7º ano de 4 instituições de Ensino Fundamental de Aracaju. Os depoentes serão submetidos a roteiros de entrevista de memória oral, que tratarão das suas trajetórias de vida (familiar, estudantil e profissional) e de aspectos relacionados aos processos de escolha, usos e apropriações do livro didático de história, principalmente, no que se refere às imagens sobre os índios inseridas em suas laudas.
Efetivaremos ainda a etapa de transcrição das entrevistas, a passagem dos depoimentos coletados da forma oral para a escrita. A partir destas transcrições, realizaremos a leitura, seleção e escolha dos trechos mais importantes das falas dos entrevistados, que servirão como base para a extração e interpretação das informações disponibilizadas.
O primeiro capítulo da pesquisa tratará da apresentação formal dos livros didáticos. Realizaremos uma breve exposição das características gerais das imagens sobre os índios, destacando o lugar que elas ocupam no interior das laudas, sua distribuição por unidades e capítulos, as tipologias, cores e temáticas mais recorrentes. Numa seção posterior, observaremos a construção das representações sobre os índios elaboradas pelos autores, a partir da conexão analítica entre imagens, legendas e textos base de seus livros didáticos.No segundo tópico, realizaremos breve exame das características epistemológicas dos livros didáticos, para compreendermos, ainda que residualmente, qual a concepção de História ou paradigmas historiográficos e sócio-antropológicos esses livros representam ou privilegiam.
No segundo capítulo, apreciaremos, pelos dados coligidos das entrevistas com professores e alunos, os critérios de avaliação e escolha dos manuais adotados, bem como as formas de uso e apropriação em situações didáticas das suas imagens sobre os índios.
No terceiro e último capítulo, exporemos as impressões dos professores e alunos acerca das culturas e modos de vida indígena, destacando a sua constituição por intermédio dos suportes imagéticos introduzidos nos manuais escolares de história analisados.

Referências
BARTHES, R. O óbvio e o obtuso: ensaios críticos III. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990
BURKE, P. Testemunha ocular: História e imagem. Bauru, SP, EDUSC, 2004.
MUNAKATA, K. Produzindo livros didáticos e paradidáticos. São Paulo, 1997. Tese (Doutorado em História e Filosofia da Educação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
BRASIL, Presidência da República. Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008. Dispõe sobre a obrigatoriedade dos estudos de história e cultura afro-brasileira e indígena nos estabelecimentos de Ensino Fundamental e de Ensino Médio, públicos e privados, no Brasil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 mar. 2008.

Fontes a serem consultadas
COTRIN, Gilberto; RODRIGUES, Jaime. Saber e Fazer História – História Geral e do Brasil. São Paulo: Saraiva Livreiros Editores. 2009.
JÚNIOR, Alfredo Boulos. História Sociedade e Cidadania – Nova edição. 7º ano. São Paulo: Editora FTD. 2009.
PILETTI, Nelson; PILETTI, Claudino; LEMOS, Thiago Tremonte. História e vida integrada. 7º ano. São Paulo: Editora Ática. 2009.
VICENTINO, Cláudio Roberto. Projeto Radix – História. São Paulo: Editora Scipione. 7º ano. 2009.

4 comentários:

Frank Marcon disse...

Salve, salve. Algo que sinto necessidade que você explore em algum comentário por aqui, ou mesmo na sua apresentação, é sobre a relevância sócio-antropológica de sua pesquisa. Em meio a que debate acadêmico ela se encontra? Ou ainda, quais as questões pertinentes de ordem política e social? Abraços e até breve.

Lobão disse...

Muito pertinente vosso questionamento. Devemos lançar olhares críticos também sobre a historicidade indígena em nosso território.

Diogo Monteiro disse...

Olá caro prof. Frank!
Penso que este projeto pode colaborar para o lançamento de novos olhares sobre as formas de tratamento da alteridade indígena nos livros didáticos de história. Pretendo inseri-lo, como na verdade já o fiz no projeto completo, no interior dos debates sobre o “relativismo cultural”, baseando-me nas proposições de, por exemplo, Ruth Benedict, sobre a questão, e relacioná-lo aos estudos culturais, já que tenho a intenção de criticar, nestas representações sobre os índios, posicionamentos etnocêntricos e as relações assimétricas de poder, que, porventura, sejam expressas a partir de sua constituição. A pesquisa se desenvolve num contexto político e social peculiar e muito frutífero para o debate acerca da diversidade étnico-racial, principalmente, por ocasião do lançamento de leis para a educação das relações étnico-raciais, a exemplo das Leis 10.639 de 2003 e 11645 de 2008, entre outras, resultantes das pressões dos movimentos negros e indígenas no Brasil, que desde há mais ou menos 3 décadas, lutam pelo estabelecimento de um tratamento mais justo e igualitário dos negros e índios nos conteúdos disciplinares de escolas do sistema oficial de ensino brasileiro. Então, foi neste sentido, que estabelecemos os questionamentos norteadores das reflexões da pesquisa. No mais, até breve, Abraço!


Diogo Monteiro.

Felipe Araujo disse...

Oi Diogo! Estava sem internet em casa e não pude comentar aqui antes de sua apresentação. Faço agora um breve comentário, sem achar que faço tarde. Sua pesquisa é muito interessante, e parece muito bem amarrada teoricamente. Mas acredito que quando você entrar em contato direto com seu objeto outras mudanças irão se processar, até que o quadro de análise reflita seu "campo". Até breve!