quarta-feira, 27 de março de 2013

Culturas Juvenis

Resenha de PAIS, Machado José. Notas Preambulares; Parte I. in Culturas Juvenis. 2.ed. Lisboa, 2003.

Por Lucas Carvalho

Culturas juvenis, nome que intitula o livro de José Machado Pais, é referência quando se fala em uma sociologia da juventude, a passo que a obra possibilita um novo olhar sobre o tema (a partir da perspectiva analítica sobre o cotidiano). No texto que se segue serão apontados alguns dos principais argumentos referentes às “notas preambulares” e a “primeira parte” do livro. Será discutido o processo de maturação da pesquisa de Pais, os dilemas, as escolhas de caminhos e métodos de investigação e consequentemente o desenvolvimento de uma problemática sociológica referente a juventude portuguesa.

Nas breves notas introdutórias, Machado Pais afirma que nesse momento não iria fornecer nenhuma resposta sobre seu objeto de pesquisa. O que se segue é uma reflexão mais do ponto de vista metodológico, onde ele afirma sobre a dificuldade de oferecer respostas aos questionamentos suscitados sobre objeto pesquisado (no caso a juventude portuguesa). É a partir dessa dificuldade de oferecer respostas que surgem as teorias, classificadas por ele, como estruturas de pensamento capazes de orientar os passos investigatórios. Junto com as teorias, nasce uma tradição sociológica,  que se pauta na idéia de que para cada problemática construída é necessário uma vertente teórica para guiar a investigação e dar legitimidade a esse processo.

Apesar de parecer um caminho fácil, o autor fala da sua própria experiência, onde retrata que quanto mais mergulhava na investigação das culturas juvenis, mais buscava esse aparato teórico para dar sustentação a pesquisa, mais dúvidas surgiam, tornando o processo investigatório mais complexo. Porém, é no meio dessas dúvidas, que Pais começa sentir a necessidade de entender cada vez mais o cotidiano da vida dos jovens para conseguir compreender como funcionava a lógica da relação entre as transformações sociais, tanto no âmbito socioeconômico, quanto no âmbito individual, social e familiar, vendo os jovens no centro desse processo.

A partir do momento em que Machado Pais escolhe o estudo da vida cotidiana das juventudes como base analítica, ele sente a necessidade de colocar em evidência o uso do tempo pela juventude, relacionado com o ordenamento social, onde o autor revela que a partir daí será possível compreender a realidade destes jovens, a partir do consumo desse tempo, das suas experiências e vivências, possibilitando também o surgimento de formas específicas de sociabilidades. Pais também revela que mesmo com todo um aparato teórico, as vezes é preciso experienciar esse cotidiano juvenil, e  também dar voz a ele, para que certos símbolos, linguagens, relações de sociabilidade, sejam entendidas de fato e não de forma arbitrária.

Na primeira parte do livro, o autor retrata a necessidade de romper com o fato de analisar a juventude sobre o âmbito de um grupo unitário, homogêneo. É preciso segundo José Machado Pais, analisar não somente as similitudes desse grupo, mas também suas diferenças, tendo em vista de que o fato dos indivíduos compartilharem certos sentimentos em comum, não significa dizer que todos sejam iguais, tenham as mesmas trajetórias, as mesmas experiências, inclusive sobre a própria noção de juventude.

Sobre as formas de analisar a juventude, o autor abre uma discussão entorno de duas correntes teóricas. A primeira corrente ele denomina de teoria geracional. Esta teoria enxerga a juventude sob o ponto de vista etário, ou seja, a juventude é concebida como fazendo parte das fases da vida. Enfatiza-se dessa maneira os aspectos unitários da juventude. Essa corrente crê que em uma sociedade existe uma diversidade de culturas desenvolvidas com um conjunto de valores dominantes. Dessa forma, a questão essencial dessa corrente são as continuidades e descontinuidades dos valores e relações intergeracionais, que são discutidos tanto do ponto de vista das teorias da socialização, quanto da teoria das gerações. Uma das críticas que se faz a essa corrente é, justamente, a sua tendência a tratar a juventude de forma homogênea dentro de uma fase etária determinada, não representando de forma adequada o grupo a partir dos seus próprios entendimentos.

A segunda corrente recebe o nome de teoria classista. Enquanto a corrente geracionista via a questão da reprodução social a partir das análises das relações e conteúdos das relações intergeracionais, a corrente classista enxerga essa reprodução a partir das questões de gênero, etnia, raça, ou seja, a partir da perspectiva das classes sociais. Pela forma de pensar a juventude através do foco nas classes sociais e analisar o processo de transição para a vida a adulta sobre a ideia das desigualdades sociais é que a corrente classista se mostra crítica aos conceitos de juventudes pautados na ideia de fases da vida. Porém, o autor revela que os processos sociais vividos pelos jovens, não podem ser pautados somente a partir da perspectiva do antagonismo de classe social, mas também a partir das relações sociais, das trajetórias individuais, das experiências de vida que eles carregam e que fazem com que o transito para a vida adulta, que parecia ser algo já pré-estabelecido, possa ser modificado.

Para finalizar, a partir da análise do cotidiano e do curso de vida da juventude, das suas trajetórias, suas similaridades e diversidades, Pais mostra que as culturas juvenis se mostram muito mais complexas do que se pode imaginar. Podendo conter no interior delas tanto aspectos, etários, classistas e geracionais, constituindo-se um verdadeiro paradoxo. Dessa forma, o uso isolado, seja da teoria geracionista ou da classista, não seria capaz de dar conta da complexidade da análise sobre as juventudes, podendo gerar certos reducionismos sobre o tema. Dessa maneira, o autor justifica optar por articular as duas correntes, na tentativa de compreender a juventude de uma forma mais dinâmica, real e concreta.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Stuart Hall e as Identidades Descentradas

Por Liana Matos

Resenha do livro: 
HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. 6a. Ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. 

Stuart Hall é um autor jamaicano que viveu e estudou na Inglaterra na década de 50. Seus estudos recaem sobre a análise das identidades culturais e dos meios de comunicação.  No âmbito da identidade cultural, Hall escreve um ensaio que se torna um pequeno livro intitulado “A Identidade Cultural na pós-modernidade”. Neste texto ele busca analisar o que seriam as identidades na modernidade tardia.

Para tanto esquematiza o livro da seguinte forma: primeiro faz uma análise sobre os processos de mudanças no conceito de identidade e de sujeito durante a modernidade. Desta forma, apresenta a evidência de três concepções de sujeito: do iluminismo, o sociológico e o pós-moderno.

O sujeito do iluminismo seria o que está ligado a centro de individuação. Um eu centrado, em que a pessoa adquire desde seu nascimento até sua morte a ideia de particularidade. Ou seja, no sujeito do iluminismo a identidade é uma espécie de essência do próprio sujeito. Já o sujeito sociológico, avança na ideia de sujeito do iluminismo ao trazer o complemento de que o sujeito e constituído também por suas relações sociais. Este sujeito é formado pela interação do “eu” com a sociedade, evidenciando-se a existência de pertencimento a grupos sociais. A centralidade agora está assentada no grupo a que ele pertence. Sobre o sujeito pós-moderno, ele diz que o sujeito deixou de ser unificado e passou a ser pensado como formado por facetas de suas relações, se tornando incompleto, cindido, ambíguo. Para Hall, este sujeito emerge da crise do sujeito moderno.

Hall passa a discutir o que seria então a modernidade/globalização e o seu impacto sobre a identidade cultural. Para tanto lista alguns autores e seus respectivos conceitos sobre a modernidade. Ele apresenta vários conceitos sobre descontinuidade, fragmentação, ruptura e deslocamento, como características do que denomina por modernidade tardia.

Já na discussão sobre as identidades culturais, o autor demonstra que as identidades nacionais não vêm com o nascimento das pessoas, mas são construídas socialmente por meio de representações culturais. Aborda a ideia de nação como uma forma que distingue a sociedade moderna e sua importância na fomentação de um sistema de representações simbólicas em que o sujeito passa a adquirir uma ideia de pertencimento, de identificação.  

Com tudo isso, o que Hall quer levantar é um questionamento sobre ideias fixas de identidade, como a nacional, que se apresentam aparentemente coesas. O que interessa é entendermos como funciona o sistema de representações e o deslocamento das identidades nacionais pelo processo de globalização.

O que Hall questiona é o seguinte: independentemente da diferença (classe, etnia, gênero) o que a identidade nacional parece buscas é uma ideia de unificação. Mas até que ponto essa unificação anula e subordina a diferença cultural? O que estaria descentrando o sujeito? O que estaria deslocando as identidades culturais nacionais na contemporaneidade? Dentre esses questionamentos, Hall aponta a globalização como responsável por algumas destas transformações. Assim, o que estaria acontecendo, segundo Hall, seriam consequências paradoxais da globalização: por um lado a forte pressão de homogeneização cultural e por outro lado a produção de novas identidades, particularizadas.

É perceptível que Hall abre um leque de discussões no meio acadêmico sobre a identidade cultural na modernidade tardia. E assim ele conclui sua discussão enfatizando as contradições globalização. Com os exemplos mencionados pelo autor, parecia que Hall apontaria para a ideia de que a globalização promove o esquecimento de narrativas locais, pelo fortalecimento de identidades universalistas. Porém, ao final, ele lembra que a globalização não está atuando em nenhum dos lados do pêndulo universal/particular, mas estaria provocando o que Hall sustenta desde o princípio do livro: um descentramento do sujeito na contemporaneidade.