quarta-feira, 29 de maio de 2013

"Isto Não É um Cachimbo"


FOUCAULT, Michel; MOTTA, Manoel Barros da (Org.). "Isto Não É um Cachimbo". In: Estética: literatura e pintura, música e cinema. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. p. 247-263. (Ditos & escritos ; 3) ISBN 8521803907

Michel Foucault publicou "Isto Não É um Cachimbo" exatamente cinco meses após a morte de René Magritte, autor da pintura a que se refere o texto. De maneira geral, o ensaio cumpre uma função de elogio, homenagem ao pintor belga, falecido em um momento de grande importância para a produção do pensador francês (pouco após a publicação de As Palavras e as Coisas).

O texto faz reflexões sobre o tema do cachimbo em dois desenhos. O primeiro,

de 1926, acredito: um cachimbo desenhado cuidadosamente; e, embaixo [...] esta menção: ‘Isto não é um cachimbo’. A outra versão [...] em vez de serem justapostos em um espaço indiferente, sem limites nem especificação, o texto e a figura são colocados dentro de um quadro; [...] Acima, um cachimbo exatamente semelhante àquele que está desenhado sobre o quadro, mas bem maior. (p. 247)

Em síntese, Foucault defende que o primeiro quadro é resultado de um caligrama desfeito pelo pintor. Aparentemente, i) Magritte retoma a função clássica da representação plástica, que está baseada numa equivalência entre similitude e representação, ao desenhar com esmero de detalhes um cachimbo “fiel” à realidade; ii) retoma a função clássica da representação linguística, que em sua associação com imagens cumpre um papel de legenda, explicação. Mas esta explicação contesta a representação plástica, quando a nega.

Sob as aparências de um retorno a uma disposição anterior, ele [Magritte] retoma suas três funções [de um caligrama], mas para pervertê-las, e perturbar com isso todas as correspondências tradicionais da linguagem e da imagem. (p. 251)

A segunda representação também funcionaria a partir de uma tentativa de retorno a um “lugar-comum” para a imagem e para a representação linguística, porém

essa superfície é logo contestada: poiso cachimbo que Magritte, com tantas precauções, havia aproximado do texto, que ele encerrara com ele no retângulo institucional do quadro, desapareceu: ele está lá no alto, em uma flutuação sem referência, deixando entre o texto e a figura da qual ele deveria ter sido a ligação e o ponto de convergência no horizonte apenas um pequeno espaço vazio, o estreito rastro de sua ausência – como a marca não assinalada de sua evasão. Então, sobre seus montantes oblíquos e tão visivelmente instáveis, ao cavalete resta apenas oscilar, à moldura, se deslocar, ao quadro e ao cachimbo, rolarem no chão, às letras, se dispersarem: o lugar-comum – obra banal ou lição cotidiana – desapareceu. (p. 255)

Michel Foucault analisa ainda as duas produções de Magritte através de uma perspectiva comparativa aos papéis de Klee e Kandinsky para a pintura ocidental. Segundo Foucault, esta conteria dois princípios dominantes entre o século XV e o século XX: uma separação entre representação plástica e representação linguística, subvertido na obra de Klee, pois este faz “valer em um espaço incerto [...] a justaposição das figuras e a sintaxe dos signos” (p. 256), e um princípio de equivalência entre a semelhança e a afirmação de um laço representativo, abandonado por Kandinsky, pois este “liberou a pintura dessa equivalência” (p. 256).

Ninguém, aparentemente, está mais afastado de Kandinsky e de Klee quanto Magritte. Pintura mais do que qualquer outra vinculada à exatidão das semelhanças até o ponto em que ela as multiplica voluntariamente como para confirmá-las [...], determinada a separar, cuidadosamente, cruelmente, o elemento gráfico e o elemento plástico: se acontece de serem sobrepostas como o são uma legenda e sua imagem, e na condição de que o enunciado conteste a identidade manifesta da figura, e o nome que se pretende lhe dar. No entanto, a pintura de Magritte não é estranha ao empreendimento de Klee e de Kandinsky; ela antes constitui, a partir de um sistema que lhes é comum, uma figura simultaneamente oposta e complementar. (p. 256-257)


O pensador francês conclui que, de certa maneira, Magritte “escamoteia o fundo de discurso afirmativo sobre o qual tranquilamente repousava a semelhança; e movimenta puras similitudes e enunciados verbais não afirmativos na instabilidade de um volume sem referências” (p. 263), e chega a visualizar em “Isto não é um cachimbo” uma espécie de receita, quase uma fórmula de composição, cujos passos seriam 1) construir um caligrama; 2) decompor o caligrama, desfazendo seus traços; 3) permitir que o discurso, desprendido da imagem, “caia” em forma de letras; 4) permitir que as similitudes se multipliquem para que no fim se constate que 5) “a pintura cessou de afirmar”.   

sexta-feira, 10 de maio de 2013

RESENHA SOBRE O FILME "ENTRE NESSA DANÇA"

Por Sérgio da Silva Santos

            O filme “Entre Nessa Dança” ou “You Got Served”, no original, nos traz uma relevante mostra sobre o estilo de vida de jovens da periferia norte-americana. O filme se passa em um bairro da periferia de Los Angeles e retrata o cotidiano dos jovens desse bairro, em torno da violência, do trafico de drogas, das gangs e principalmente da cultura Hip Hop.
O Hip Hop é um movimento cultural juvenil presente em diferentes metrópoles mundiais. Historicamente ele surgiu no barro nova-iorquino do Bronx. No final dos anos 70, jovens afro-americanos e caribenhos tiveram participação decisiva em sua constituição. A dança break, a arte visual, materializada no grafite, e o rap como expressão poético-musical integraram-se como parte deste sistema cultural juvenil. (SILVA, 1999)
A primeira questão chama a atenção no filme, são os diálogos constantes entre os personagens sobre as incertezas entorno do futuro. Entendemos que tais diálogos tiveram o objetivo de retratar uma realidade comum entre os jovens negros americanos. A questão do acesso ao emprego e a garantia de uma qualidade de vida é enfatizada no muitas vezes filme. As incertezas são apresentadas e articuladas com a necessidade de uma auto-afirmação dos jovens diante de seus pares, como também a necessidade de garantir a sobrevivência através do dinheiro. Sendo assim, o envolvimento com o trafico de drogas, reflete para aqueles jovens, como uma possibilidade de garantir, mesmo que de modo momentâneo, uma sobrevivência no cotidiano em que estão inseridos.
O filme mostra o potencial da rua como um espaço de socialização e sociação. Nesse sentido, podemos nos referir a Georg Simmel que enfatiza que as formas e processos de sociação são diversas, pluridimensionais e menos duradouras que outrora. (SIMMEL, 2006) Sendo assim, o filme desperta a possibilidade de pensarmos sobre a complexidade da vida no espaço da rua. Para Simmel,

A sociabilidade cria, caso se queira, um mundo sociologicamente ideal: nela, a alegria do individuo está totalmente ligada à felicidade dos outros. Aqui, ninguém pode em princípio encontrar sua satisfação à custa de sentimentos alheios totalmente opostos aos seus. Essa possibilidade é excluída por várias outras formas sociais que não a sociabilidade. Em todas elas, contudo, essa exclusão se dá por imperativos éticos superimpostos. Somente na sociabilidade ela é dada por princípios intrínsecos da própria forma social. (SIMMEL, 2006, p. 69-70)

Nesse sentido, o filme apresenta duas  possibilidades de reflexão sobre as formas de expressões dos jovens. Primeiro, pensando sobre as gangs e, segundo, sobre os grupos de hip hop. As gangs são mostradas no filme de forma distante, sem destaque. Algumas passagens do filme tratam sobre o assunto. A principal passagem sobre as gangs aparece em torno de um personagem que é uma criança. O dialogo de um jovem com essa criança, dá a ideia de que o hip hop é uma alternativa para sair do mundo das gangs. Mesmo essa criança acompanhando as atividades de dança que o filme enfatiza em relação ao Hip Hop, esta personagem acaba tendo sua vida influencia pela atuação das gangs, sendo morta após troca de tiros.
No filme, a dança break é para aqueles jovens a forma mais próxima de manterem-se ligados. Mesmo compartilhando de um mesmo estilo de vida, os jovens são apresentados no filme em constantes conflitos, seja de natureza familiar, de relacionamento e principalmente em torno do dinheiro, como também a partir dos duelos entre os grupos de break, que realizam batalhas nas quais vence aquele grupo que desenvolve a melhor performance de movimentos.
.          O dinheiro entra neste contexto desde o começo do filme. O estilo de vida dos jovens acaba, mesmo que de forma indireta, fomentada pela busca de uma afirmação, que passa necessariamente pelo dinheiro e pelo estatuto de se tornarem vencedores nas disputa de break. O filme tenta passar a ideia de que as coisas estão voltadas para a disputa, seja a do melhor movimento da dança Break ou de acesso aos recursos possibilitados pelo dinheiro.
O filme é romântico, quando desenrola sobre a vida de jovens na periferia, já que ele não tem o objetivo de mostrar a fundo uma realidade de inúmeros problemas sociais, apenas dando-nos elementos ou nuances deste contexto. A cultura Hip Hop está presente nas grandes metrópoles do mundo e como tal também passa por um processo de “cooptação” pela indústria cultural. O filme mostra muito bem isso. No final do filme, o dinheiro e a fama movem os jovens para uma disputa por 50 mil dólares e a gravação de um clip, com uma artista já consagrada do hip hop americano. Nos EUA é muito forte a capitalização em torno da cultura hip hop, que desde meados dos anos 90 passou a ser extremamente explorada pelo viés comercial.
Sendo o Hip Hop uma cultura vinda de baixo, sendo uma das principais fontes de divulgação de uma cultura e estilo de vida de jovens americanos da periferia, torna esse assunto um tanto complexo. Talvez, esse processo tenha sido influenciado pelo surgimento dos EUA como potencia mundial e como centro de produção e circulação de cultura. (HALL, 2003) Afinal, a cultura hip-hop americana passou a ser uma referencia para jovens de outros países, reproduzidas através inúmeros produtos culturais, como é o caso do filme em questão.

Referências:

HALL, Stuart. Da Diáspora: identidades e mediações culturais. Organização: Liv Sovik; tradução: Adelaine La Guardia Resende...[et al]. – Belo Horizonte: editora UFMG, 2003.
SIMMEL, Georg. Questões fundamentais da sociologia: individuo e sociedade. Tradução: Pedro Caldas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006.

Link para assistir o Filme "Entre Nessa Dança":  http://www.youtube.com/watch?v=pVEZK_CL6bw

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Resenha

Introdução do Livro "A invenção das tradições", de Eric Hobsbawm e Terence Ranger


Por Wener Brasil

O objetivo da introdução do livro “A Invenção das Tradições” é fazer uma análise crítica e conceitual da noção de tradição e de costume, bem como tematizar as implicações do que é denominado pelos autores de invenção das tradições no processo de construção do Estado-nação.
A expressão "tradição inventada" é entendida de maneira ampla como sendo as práticas reguladas de natureza ritual ou simbólica, que incorporam valores e comportamentos definidos através de repetição. Tal repetição acontece devido a novas situações e reações que se referem ao antes, como numa ideia de continuidade.

No texto, a diferença entre tradição e costume (vigentes nas sociedades tradicionais) é ressaltada. A tradição inventada teria a característica de imposição de práticas fixas como repetições, já o costume não impediria que a própria dinâmica social implicasse em inovação e modificasse as práticas e rituais até certo ponto.

É destacado pelo autor que todo esse processo da invenção de tradições caminha pela ritualização e formalização, sempre se referindo ao passado, impondo a repetição. Mas, pode-se dizer que toda tradição é inventada? Em tal sentido pode-se dizer que sim, ou seja, a depender da maneira como ela se constitui, a permanência das regras, ou ainda, quando a reprodução é forçada ou institucionalizada com rigidez.

Em síntese, são expostas três categorias relativas às tradições inventadas desde a Revolução Industrial: a) as que estabelecem ou simbolizam a coesão social ou as condições de admissão de um grupo ou de comunidades reais ou artificiais; b) as que estabelecem ou legitimam instituições, status, ou relação de autoridade e c) aquelas cujo propósito principal é a socialização, a inculcação de ideias, sistemas de valores e padrões de comportamento.

Para concluir, um aspecto importante é avaliar qual a ligação entre a invenção e a espontaneidade. Na verdade, se tem uma ideia que essa criação parte de conjecturas políticas, podendo até serem inventadas para a manipulação. Entretanto, fica claro que, para os autores do texto, as mudanças nos costumes são processuais e partem das necessidades coletivas, construídas através das relações de poder e de interesses nos contextos de harmonia ou de tensão social, em que as tradições inventadas são ferramentas de regulação.