quarta-feira, 28 de outubro de 2015

RESENHA DE O IMPACTO DO CONCEITO DE CULTURA SOBRE O CONCEITO DE CULTURA DE HOMEM

GEERTZ, Clifford. O impacto do conceito de Cultura sobre o conceito de Homem. In: A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

ELISEU RAMOS DOS SANTOS¹
(eliseu_ciso@hotmail.com)

            Uma das principais ideias presentes no livro “A interpretação das culturas” de Clifford Geertz, é a de que a cultura é composta por teias de significados, cabendo a ciência não uma busca por leis e padronizações, e sim uma postura interpretativa desses significados (p.14). Dessa forma, o autor rejeita a concepção estruturalista que buscava alinhavar todas as sociedades a partir de regularidades culturais pré-determinadas. 

O capítulo a ser discutido aqui, é um desdobramento dessa rejeição. Para mostrar a cultura como teia de significados, Geertz busca primeiro desmistificar a ideia de Homem como uma categoria universal, sustentada por características que desconsideram as particularidades locais e estão presentes em qualquer indivíduo. Essa busca pela universalidade, chamada no texto de concepção “estratigráfica”, era alimentada pela noção da estratificação do homem, na qual todo indivíduo era composto por camadas sobrepostas equivalentes a fatores biológicos, psicológicos, sociais e culturais, que caso retiradas, revelariam o Homem (com “H” maiúsculo) atomizado, no qual, despido de suas especificidades, eram encontradas as “regularidades estruturais e funcionais da organização social” (p.49).

Geertz vê o estudo da cultura como uma ferramenta ordenadora da complexidade, e tal definição universalista de Homem parece demasiado simplista para ele, tão simplista que o mesmo não a considera uma possibilidade científica, pois uma modelagem estrutural do Homem equivale somente a correlações intuitivas de diferentes características presentes nas mais variadas sociedades. Outra questão levantada por ele, nos parece também legítima: Geertz critica a ideia de que um hipotético denominador comum, resultante de uma fração mínima da composição do homem, possa se tornar um ponto de partida para uma reflexão do que realmente somos. O autor, aliás, rebate essa problemática afirmando que é justamente através dos fenômenos mais particulares encontrados nas sociedades que podemos nos debruçar sobre uma concepção de homem, e que essa concepção não teria uma proposta fechada, mas um aspecto de incompletude de disposições conceituais, no qual era papel da Antropologia auxiliar na investigação dessas facetas da humanidade.

Com que postura a Antropologia adentraria no assunto? Em uma aproximação com o pensamento de Nietzsche, o qual dizia que junto à existência humana nasceu a necessidade de obediência como consciência formal e naturalizada², Geertz nos diz que para apreendermos minimamente uma imagem generalista do homem era preciso a) pensar a cultura como conjunto de mecanismos de controle para governar o comportamento e b) pensar o homem como animal dependente desses mecanismos de controle para ordenar seu comportamento. A partir desses pressupostos, ele tenta desviar o foco da definição do homem que enfatiza “as banalidades empíricas do seu comportamento” para uma discussão sobre “os mecanismos através de cujo agenciamento a amplitude e a indeterminação de suas capacidades inerentes são reduzidas a estreiteza e especificidade de suas reais realizações” (p. 57). Ou seja, a resposta para Geertz se encontra na própria condição do homem, que é limitada através da cultura.

Ao mesmo tempo em que cultura aparece para Geertz como mecanismo de controle, ela figura como aspecto essencial no quadro evolutivo da espécie, sendo não somente um ornamento da existência humana, mas uma condição essencial para ela – a principal base de sua especificidade (p. 58). Dentro dessa formação, o homem aparece como variado e multifacetado pela cultura; é nessas bases que se torna possível construir um conceito da natureza humana, que deveria estar em paralelo a diversidade dos modos de vida, com suas peculiaridades e detalhes compondo o caráter de cada cultura e também dos vários tipos de indivíduos dentro delas (p. 65).

¹ Mestrando em Sociologia pelo Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal de Sergipe.

² NIETZSCHE, F. Além do bem e do mal. Petrópolis – RJ: Vozes, 2012.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

RESENHA DE PESSOA, TEMPO E CONDUTA EM BALI

Élida Damasceno Braga [1] 
(elidabraga74@gmail.com)



GEERTZ, Clifford. Pessoa, Tempo e Conduta em Bali. In: A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.


Ao afirmar que o pensamento humano é uma atividade social essencial, Clifford Geertz apresenta suas preocupações em relação a isso já alertando, inicialmente, para a incompletude da temática. O autor se debruça sobre o povo de Bali para observar como as ideias se definem em torno do aparato cultural, como este povo percebe e reage e, por conseguinte, o que pensam, trazendo, assim, elementos para uma análise da cultura. Desse modo, as conexões que se mostram dão sentido para compreender não apenas a sociedade local, mas a humana como um todo.
Geertz (1978) traz os conceitos de cultura e estrutura social em seu texto, abordando-os de forma independente, ou seja, no sentido de que “é preciso compreender tanto a organização da atividade social, suas formas institucionais e os sistemas de ideias que as animam, como a natureza das relações existentes entre elas” (p. 227). O autor informa também a dificuldade de se trabalhar cientificamente o conceito de cultura, haja vista a indefinição do objeto de estudo.
No entanto, o pensamento visto como objetos em experiência com a impressão de significados através de símbolos significantes coloca a cultura no patamar de ciência como outra qualquer. O sentido para estes símbolos significantes é encontrado através dos acontecimentos vividos pelo homem com padrões, que se acumulam culturalmente. Vale salientar que, alguns desses padrões são inerentes à pessoa humana e por isso aparecem em diversas sociedades. Daí que vem a proposição do autor para que se lance um olhar mais atento para as singularidades a fim de que se compreenda a problemática subjacente.
Geertz (1978) destaca ainda a importância da caracterização humana individual. A perspectiva individual, por categorias, perfaz  “o mundo cotidiano no qual se movem os membros de qualquer comunidade, (...) habitado por homens personalizados, classes concretas de pessoas, positivamente caracterizadas e adequadamente  rotuladas” (p.229). Contudo, Geertz (1978) adverte para a não redução da análise cultural apenas à caracterização individual. Isso ocorre devido à falta de um método para analisar a estrutura significativa da experiência. Embora se tenham registradas algumas tentativas de análise cultural no sentido de uma fenomenologia da cultura, uma das que se destacam, segundo Geertz, é a de Alfred Schutz, com tópicos abordados sobre a “realidade principal da experiência humana: o mundo da vida cotidiana enfrentado pelo homem, no qual ele atua e vive”. Esses estudos deram suporte ao autor no sentido de orientá-lo em suas pesquisas.
Em Bali, Geertz (1978) observa uma série de padrões culturais, nos quais a atuação humana pode se dar em termos de ordem temporal, estilo comportamental e identidade pessoal, bastante diversas, mas nem sempre muito claras para os padrões empíricos. O autor descreve os tipos de rótulos aplicados aos indivíduos ali, um tipo de ordem simbólica a ser descrita em: nomes de pessoas, nomes na ordem de nascimento, termo de parentesco, tecnônimos, status e títulos públicos. Para se ter uma ideia, o nome pessoal não possui muita importância social em Bali, pois são raramente usados. Aos demais vão se acrescentando importância, afetando a condição humana com tal estrutura.
Outra questão que aparece no texto de Geertz é a maneira como as pessoas veem o tempo dentro do percurso biológico e também natural na sociedade balinesa. Além da condição pessoal, da definição de pessoa, desde “os nomes ocultos até os títulos ostentados” (p.255), o tempo em Bali é marcado, no geral, de modo qualitativo, no que se manifesta como experiência humana. "Ele é usado para distinguir e classificar partículas de tempo (...) os ciclos são intermináveis e sem um clímax, pois sua ordem não tem significação. (...) Eles não acumulam, não constroem (...) Eles não lhe dizem que o tempo é agora, eles apenas informam que espécie de tempo é" (p.260). 
Sobre a conduta, Geertz (1978) observou que a vida social em Bali é construída em torno do cerimonial, algo próximo à teatralização. Tudo nessa esfera é muito exterior, calculado, pomposo, uma sociabilidade polida e bastante estética. Nesse contexto, termos como a vergonha e o fracasso assumem características marcantes na vida afetiva do povo balinês, tanto no plano interpessoal como no plano coletivo. Contudo, a vergonha para os balineses, está no medo de não cumprir com os papéis sociais propostos, tratando-se de um verdadeiro terror a simples suposição de não atuarem em conformidade com o desempenho público desejado.
Desse modo, a análise cultural lida com formas cheias de significados. Significados estes que não estão diretamente nas coisas, nos objetos, mas lhe são impostos pelos homens que vivem em sociedade. A natureza da integração, da mudança e do conflito cultural deve ser procurada nas experiências dos indivíduos e dos grupos que sentem, percebem, agem e julgam estas simbolicamente, sem esquecer, no entanto, que essas sensações são apreendias e interpretadas. Logo, as estruturas simbólicas que definem pessoas, caracterizam o tempo e ordenam comportamentos. Essas são produto da interação, de como se desenvolvem, bem como o impacto que causam um ao outro (GEERTZ, 1978, p.272).
Portanto, o autor faz uma observação inquietante quando aponta a possibilidade de mudanças culturais na sociedade balinesa. Pensar em um tempo mais dinâmico, um estilo de interação social menos formal e uma condição de pessoa que saísse do quase anonimato, produziriam, assim, mudanças significativas no modo de vida, haja vista esses três possuírem papéis fundantes na estrutura social balinesa: a pessoa, o tempo e a conduta.
Por fim, as questões levantadas nesse texto, tantos modos de vida repletos de valores e significados, são vistos como elementos de controle social. Assim, a cultura ou elementos dessas culturas, contribuem significativamente, com as formas de controle e como definidores de comportamentos sociais. Trata-se, pois, de um estudo de percepção dos indivíduos dentro de suas culturas no sentido de analisar e descrever a estrutura de significados dessas.


[1] Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFS.