quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Resenha "Do ponto de vista dos nativos": a natureza do entendimento antropológico.

GEERTZ, Clifford. Do ponto de vista dos nativos: a natureza do entendimento antropológico. In: O Saber Local.
                                                                                                Eline Limeira dos Santos[i]
                                          Mara Raissa Santos Silva e Freitas[ii]        

            O texto “Do ponto de vista dos nativos”: a natureza do entendimento antropológico procura interpretar o significado da ação para os nativos a partir da categoria da ação simbólica onde ele  onde busca compreender as representações que a sociedade faz de si e do outro com base nos significados simbólicos imprimidos na noção do eu. Neste sentido, Geertz procura compreender  o significado da ação dos nativos a partir desses, relativizando o olhar sobre o significado da ação do homem.  
             Citando o grande burburinho causado com a divulgação dos diários de campo de Malinowski, realizado por sua esposa também antropóloga é que Geertz inicia o texto, apontando que a discussão se concentrou em detalhes não essenciais, ignorando a questão mais importante que o livro continha, deixando de lado uma questão epistemólogica que o livro levanta, além de outros pressupostos.
Para ele, a questão que o diário introduz, com uma seriedade que talvez só um etnógrafo da ativa possa apreciar é: “como é possível que antropólogos cheguem a conhecer a maneira como um nativo pensa, sente e percebe o mundo?” (p.86). Segundo Geertz é necessário que os antropólogos vejam o mundo do ponto de vista dos nativos, para ele a voz de Malinowski do túmulo tornou a questão um dilema humano que passou a ser mais importante que o profissional, e esse tem sido um problema bastante discutido na antropologia nos últimos anos.
Desta forma, questionando o caráter dualógico da formulação do problema da antropologia X em oposição a Y,  ele coloca que a forma mais simples e direta de colocar a questão é, talvez vê-la nos termos de uma distinção formulada pelo psicanalista Heinz Kohut para seu próprio uso que são os conceitos de: experiência próxima e experiência distante (p.87).
A definição de experiência próxima é mais ou menos o que alguém usaria para naturalmente e sem esforço  definir aquilo que seus semelhantes veem, sentem, pensam, imaginam. E que ele próprio entenderia facilmente, se outros utilizassem da mesma maneira. De acordo com Geertz, as pessoas usam os conceitos de experiência próxima espontaneamente, e as ideias e as realidades que elas representam estão naturalmente unidas.
Já a definição de experiência distante é aquela que os especialistas de qualquer tipo utilizam para levar a cabo seus objetivos científicos, filosóficos e práticos (p. 87). Nas pesquisas esses conceitos são empregados em maior ou menor grau, tornando uma questão de grau e não de oposição, por que na antropologia a  diferença não é normativa, podendo-se afirmar que um dos conceitos não é melhor que o outro. O etnógrafo não pode limitar-se a nenhum dos conceitos. A verdadeira questão relaciona-se com os papeis que os dois tipos de conceitos desempenham na análise antropológica.
Geertz afirma que a seu ver o etnógrafo não percebe aquilo que seus informantes percebem, o que ele percebe e com bastante insegurança é o com que, ou por meios de que ou através de que os outros percebem (p.89).
A experiência próxima e a experiência distante devem estar em sintonia para que o pesquisador possa “captar” conceitos de forma eficaz e esclarecedora. No entanto essa não é uma tarefa fácil, e que o importante para o pesquisador é descobrir o que os nativos acham que estão fazendo. 
A partir desses pressupostos o autor  cita  suas pesquisas com as sociedades Javanesa, balinesa e marroquina para mostrar de certo modo como esses conceitos são empregado, analisando particularmente a definição de pessoa .
Se intitulando como um etnógrafo de significados e símbolos, Geertz afirma que descobrir o que é uma pessoa na visão de algum grupo de nativos, traduz em um movimento de  vai  e vem entre duas perguntas que faz a si mesmo: Como é a sua maneira de viver de um modo geral? E Quais são precisamente os veículos através dos quais esta maneira de viver se manifesta? Chegando dessa forma a uma espiral semelhante com a noção de que eles consideram o eu como uma composição, uma persona, ou um ponto em uma estrutura.
O autor afirma que para se chegar a essa compreensão vai depender de uma habilidade para analisar seus modos de expressão, ou sistemas simbólicos, e o sermos aceitos contribui para o desenvolvimento desta habilidade.
Dessa forma, começa o seu relato propriamente etnográfico, citando primeiro a sociedade Javanesa, definindo que o significado de pessoa para os javaneses, eram dispostas em dois conjuntos contrastantes, que tinham como base a religião (dentro X fora; refinado X vulgar) esses termos não são o significado exato, mais na verdade ele pretendia mostrar que como um conjunto elas formavam uma concepção específica do eu que, longe de ser simplesmente teórica, era a concepção através  da qual os javaneses realmente se viam uns aos outros e também a si próprios. Ao longo do texto o autor aponta exemplos de como ele conseguiu analisar os dados e defini-los como uma experiência próxima e uma experiência distante. Seguindo o seu relato com Bali e depois o Marrocos.
Para concluir esse capítulo volta para a sua questão inicial que é: o ponto de vista dos nativos.Se pergunta se ao descrever o ponto de vista dos nativos em Java, Bali e no Marrocos e ao descrever o uso dos símbolos, estaremos também descrevendo percepções, sentimentos, pontos de vista? Ele vai afirmar que na tentativa de descobrir o significado do “eu” nessas sociedades, oscilamos incansavelmente entre um tipo de miudeza exótica que faz com que a leitura da melhor das etnografias seja uma tortura, e uma caracterização tão abrangente que se tornariam implausíveis (p.105). Geertz afirma que durante a pesquisa o etnógrafo salta continuamente de uma visão da totalidade, para uma visão das partes através da totalidade, e vice-versa tentando fazer com que uma seja explicação para a outra.
Para encerrar o capítulo, Geertz coloca que tudo isso implica no método de Dilthey de círculo hermenêutico, já bastante conhecido, e que sua intenção é mostrar que ela é tão essencial para interpretações etnográficas como para outras interpretações como literárias, históricas, etc.




[i]_ Mestranda em Antropologia pela Universidade Federal de Sergipe. elinelimeira@gmail.com

[ii] _ Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Sergipe.raissafreitas18@hotmail.com
                                                                                                              

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Resenha “Os usos da diversidade”, de Clifford Geertz

Por Danielle de Noronha

GEERTZ, Clifford. Los usos de la diversidad. Barcelona: Paidós, 1996, pp. 65 – 92.

No texto “Os usos da diversidade”, Clifford Geertz reflete sobre o “futuro do etnocentrismo” e, ao mesmo tempo, sobre o papel do antropólogo nesta questão e sobre os usos e o estudo da diversidade. O ponto de partida é a suposta suavização da diversidade cultural, que dá lugar a um mundo formado por uma “variedade com espectro mais pálido e estreito”, marcado apenas de pequenas e sutis diferenças.

Geertz inicia seu pensamento a partir de um argumento de Claude Lévi-Strauss, desenvolvido no trabalho “Um Olhar Distanciado” (Le regard éloigné) do antropólogo francês. Em resumo, o argumento de Lévi-Strauss, que foi apresentado durante uma conferência da UNESCO de inauguração do “Ano internacional de luta contra o racismo e a discriminação racial”, em 1971, defende o etnocentrismo (utilizando outros termos) como uma ferramenta normal de manutenção das diferenças sociais. Tal raciocínio compreende que determinada cultura se perceba superior às demais e justifica que não seja possível enxergar em outra cultura considerada diferente – e, neste caso, inferior – algo que possa ser útil ou interessante para si própria. Nesse sentido, se naturaliza a diferença entre “nós” (somos quem somos) e “eles” (são quem são), e também o racismo, e coloca barreiras definidas entre as diferentes culturas. Assim, cada pessoa está presa a sua própria tradição cultural e só pode enxergar o outro – e a si próprio – desde esta perspectiva.

Geertz acredita que esse pensamento tem dominado os estudos sobre a diversidade cultural, mesmo que com diferentes abordagens, e que ele acaba apoiando-se na ideia de que a diversidade cultural fornece alternativas a nós em contraste com alternativas para nós. Isso é, outras crenças e estilos de vida poderiam ser adotados por nós apenas se houvéssemos nascido em outro contexto.

Porém, para Geertz, a questão da diversidade cultural deve ser compreendida de outro modo para englobar toda a complexidade que permeia o tema. Em primeiro lugar, para o antropólogo, o consenso universal para questões fundamentais não está próximo. Diferentes culturas e formas de ver o mundo são responsáveis por diferentes opiniões sobre assuntos comuns e isto provavelmente não mudará. Em segundo lugar, por mais que Geertz esteja de acordo de que somos influenciados pelo “nosso” lugar para compreender a nós mesmos e o mundo que nos rodea, ele acredita que o problema do etnocentrismo está em nos impedir de descobrir em que tipo de ângulo nos situamos em relação ao mundo, isto é, nos impede de ampliar a nossa visão e saber quem realmente somos.

O antropólogo pondera que as articulações do mundo social não estão divididas entre um nós perspícuo, com o qual temos empatia mesmo com as diferenças entre nós, e um eles enigmático, com o qual não temos empatia, por mais que finjamos que reconhecemos o direito à diferença. A sugestão de Geertz é que o sentido seja entendido como socialmente construído. O etnocentrismo obscurece as lacunas e assimetrias entre as pessoas e impossibilita que possamos mudar de ideia. Entretanto, a história de todos os povos está relacionada com a possibilidade de mudar de ideia, que também ocorre no encontro entre as diferentes culturas. Entender a diversidade hoje é saber que vivemos um processo de embaralhamento entre as culturas, em que as questões morais e éticas provenientes da diferença estão também dentro de “nós”. Para isso, ao invés de colocar fronteiras entre as diferenças, é necessário apreender o que significa estar no outro e, desta forma, no seu, para assim compreender como é possível contornar uma assimetria moral autêntica, sem necessariamente recorrer ao uso da força, isto é, daquele que possui mais poder. É necessário aceitar e buscar uma incursão imaginativa na mentalidade alheia.

O etnógrafo, segundo Geertz, é o principal conhecedor da mentalidade do outro em nossa sociedade e a etnografia é a grande inimiga do etnocentrismo. Ela coloca nós e eles num mesmo espaço, que de alguma forma já é comum, e não nos separa em diferentes planetas culturais. Para ele, o trabalho da etnografia é proporcionar narrativas e enredos para redirecionar nossa atenção, que nos tornem visíveis para nós mesmos, como parte de um mundo onde existem outros e também estranhezas com as quais teremos que aprender a lidar. E respeitar.

As diferenças podem ter fronteiras definidas, mas estão em espaços sociais irregulares. Geertz sugere que devemos pensar a diferença de um modo diferente, em que as distintas culturas possam ser entendidas como parte de uma grande colagem de diferenças justapostas. E, para isso, devemos fortalecer a nossa capacidade de imaginação e aprender a apreender o que não podemos abraçar.