quarta-feira, 2 de março de 2016

Resenha Anti anti-relativismo

GEERTZ, Clifford. Anti anti-relativismo. In: Nova luz sobre a antropologia.  – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
Élida Damasceno Braga [1]
elidabraga74@gmail.com


Numa proposta incisiva, Geertz inicia o texto com a tarefa de “destruir um medo”, a saber, do relativismo cultural. Nele, o autor aponta para a forma equivocada de contrapor o relativismo, rejeitando a mesma sem, no entanto, comprometer-se com o que está sendo rejeitado (p.48). Assim, ideia principal do texto está na crítica ao anti-relativismo.
Geertz (2001) observa através de uma série de autores citados que os ataques a abordagem relativista não sugerem muita clareza sobre o assunto, haja vista ter uma tendência absolutista, ora vendo o relativismo equiparado ao niilismo, ou seja, uma redução a nada, ora como algo desprovido de um posicionamento político. O autor adverte que à teoria antropológica não pode ser atribuída uma mensagem de relativismo e que o argumento de que esta é “contra o absolutismo no pensamento” está nos dados antropológicos obtidos nas diversas pesquisas e não por inclinações relativistas. Isso, segundo Geertz (2001) “ não passa de mais um mito a confundir toda essa discussão” (p.49).
A ideia de que as opiniões e costumes de onde vivemos é o critério racional válido, possibilitou avanços no campo antropológico, discussões e posicionamentos que ora se alinham, ora se contrapõem. Para Geertz (2001), o relativismo e o anti-relativismo são formas de se responder às questões que afetam a percepção das coisas.
O autor segue sua argumentação apresentando o pensamento de outros autores. De modo que, ao relativismo cabe a preocupação de não estarmos tão focados em nossa própria sociedade, de não sermos tão provincianos. Enquanto aos anti-relativistas cabe à preocupação de que a postura relativa que se deriva das culturas faça com que essa visão limitada seja empecilho de uma maior comunicação, assim como a incapacidade de realizar críticas interculturais. Ele destaca ainda que há um medo exagerado e que este foi se instalando entre os antropólogos. Medo de que o foco na diversidade, na diferença,

[…]possa acabar deixando-nos com pouco mais a dizer senão que nos outros lugares as coisas são diferentes e que a cultura é o que a cultura faz. Esse medo intensificou-se tanto, na verdade, que nos conduziu por rumos sumamente conhecidos, na tentativa, a meu ver mal concebida, de aplacá-lo. (GEERTZ, 2001, p. 54)

Na verdade, não se trata, segundo o autor, de defender o relativismo, mas sim a forma como o anti-relativismo se apresentou, esta é que foi mal elaborada. O foco se intensifica, ao invés de traçar inúmeras proposições de diversos antropólogos contemporâneos, sobre as questões da “Natureza Humana” e da “Mente Humana”, as quais o autor julga como pontos importantes dessa discussão, ou seja, historicisismo radical x empirismo primitivo. Para o autor, a questão principal está em como entender, analisar e interpretar fatos que, na verdade, são indiscutíveis.
Bem, nesse momento do texto aparecem os movimentos que concebem a ideia de cultura. A concepção naturalista de um lado e do outro a concepção racionalista. Estas, segundo Geertz (2001), possuem formas bastante diversificadas, não concordando entre si a não ser na caracterização geral. Então, numa tentativa de “banir o espetáculo do relativismo” o que aparece é um empreendimento desordenado de esforços, cada qual visando interesses e direções próprias em defesa de suas causas. Vale destacar aqui que este autor possui uma linguagem muito particular, na qual envolve sutileza e ironia, deixando bastante evidente quando arremata um pensamento com “ o pecado pode ser um só, as propostas de salvação são muitas”. Ele reforça ainda que sua crítica recai sobre a forma exagerada como se opõem ao relativismo e não aos programas de pesquisas que se ligam às correntes que fazem essa crítica (GEERTZ, 2001, p. 55).
O texto adentra um pouco mais no âmbito da Natureza Humana para o qual o autor redige severas críticas, ora ao determinismo biológico, ora às imposições advindas dos juízos culturais, bem como a legitimação de malabarismos conceituais e uma recorrência ao funcionalismo como amparo anti-relativista. O autor acrescenta também que a introdução da ideia de desvio, vista a partir do afastamento de uma norma inseparável, é algo abominável, haja vista que tais argumentos são forjados no fato de que a natureza humana independa do contexto (GEERTZ, 2001, p. 60).
Com relação a questão da Mente Humana, Geertz é mais sucinto, como ele mesmo se coloca. A tendência é a mesma de ver a como superficial a diversidade e como profunda a universalidade. O que difere da questão da Natureza  Humana é que esta aponta os problemas para o relativismo moral, enquanto a outra aponta para o relativismo conceitual. Esse panorama faz com que as atenções se voltem para as concepções de “desvio social” e “pensamento primitivo” seguindo as duas orientações. O autor explica ainda que há uma diversidade de perspectivas e que estas trazem contribuições para a análise da cultura e sobremodo o nosso modo de pensar. Assim, a questão da Mente Humana propõe o desarme da diversidade cultural, bem como a desconstrução da alteridade acontece na Natureza humana. No entanto, existe mais profundidade nessa discussão que a torna bem mais ampla do que apenas os que estão em debate nos parâmetro relativistas. Assim, "Examinar dragões, não domesticá-los ou abominá-los, nem afogá-los em barris de teoria, é tudo em que consiste a antropologia. [...] Tranquilizar é a tarefa dos outros, a nossa é inquietar" (GEERTZ, 2001, p. 65).
Geertz (2001) acredita que a disponibilidade para mudanças provoca inquietações necessárias ao avanço da ciência. Que a antropologia tem em seu vanguardismo o fato de que “fomos os primeiros a insistir em que vemos a vida dos outros através das lentes que nós próprios polimos e que os outros nos veem através deles”. Para finalizar, o autor acrescenta que seria lastimável e que não é possível um recuo a essa altura, diante de tantos avanços no sentido, significado e percepção dentro de um contexto, para algo superficial em torno do “tem que ser assim”.
Em suma, trata-se de um texto inquietante, provocador, com um vocabulário imprevisto. Suas ideias servem de instrumento para uma reflexão e, para tanto, faz-se necessária uma atenção especial, pois em um “piscar de olhos” podemos perder o foco e direções da leitura, bem como da interpretação, tamanha profundidade das ideias apresentadas pelo autor em torno de seus argumentos.


[1] Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFS.